Saúde Mental na atenção primária: articulação com o programa de saúde da família

03/05/2011 12:19

            O desenvolvimento da estratégia Saúde da Família nos últimos anos marca um progresso indiscutível da política do SUS. Atendendo ao compromisso da integralidade da atenção à saúde, o Programa Saúde da Família (PSF), criado na década de 90, vem investindo na promoção da saúdeda população e na prevenção de doenças, alcançando resultados importantes para a saúde coletiva.

            Estruturado em equipes de Atenção Básica, a  cobertura do Programa já alcança todo o país. O campo de intervenção de cada Equipe de Atenção Básica é sempre composto pelas pessoas, famílias e suas relações com a comunidade e com o meio ambiente. A realidade destas equipes de Atenção Básica vem demonstrando que, cotidianamente, elas se deparam com problemas de saúde mental.  
            Cada equipe do PSF (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde) está encarregada da cobertura de até 1.000 famílias, ou cerca de 3.400 pessoas de um município ou bairro. Hoje existem em atividade 23.664 equipes, além de 203.923 agentes
comunitários de saúde (trabalhadores de escolaridade primária ou média, recrutados na própria comunidade e treinados em habilidades básicas de prevenção e tratamento). Assim, por sua proximidade com famílias e comunidades, as equipes da Atenção Básica se apresentam como um recurso estratégico para o enfrentamento de importantes problemas de saúde pública, como os agravos vinculados ao uso abusivo de álcool, drogas e diversas outras formas de sofrimento psíquico. Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer doença, às vezes atuando como entrave à adesão a práticas preventivas ou de vida mais saudáveis.
            Poderíamos dizer que todo problema de saúde é também – e sempre – de saúde mental, e que toda saúde mental é também – e sempre – produção de saúde. Nesse sentido, será sempre importante e necessária a articulação da saúde mental com a Atenção Básica.Contudo, nem sempre a Atenção Básica apresenta condições para dar conta desta importante tarefa. Por esta razão, o Ministério da Saúde vem estimulando ativamente, nas políticas de expansão, formulação e avaliação da Atenção Básica, diretrizes que incluam a dimensão subjetiva dos usuários e os problemas mais freqüentes de saúde mental. Afinal, grande parte das pessoas com transtornos mentais leves ou severos está sendo efetivamente atendida pelas equipes de Atenção Básica nos grandes e pequenos municípios. Assumir este compromisso é uma forma de
responsabilização em relação à produção da saúde, à busca da eficácia das práticas e à promoção de eqüidade, da integralidade e da cidadania num sentido mais amplo, especialmente em relação aos pequenos municípios ( grande maioria dos municípios brasileiros ), onde não é necessária a implantação de Centros de Atenção Psicossocial.

            Assim, o Ministério da Saúde vem construindo nos últimos anos as diretrizes e  condições para que nos municípios com menos de 20.000  habitantes ( cerca de 70% dos municípios brasileiros, onde residem 18% da população do país ) a rede de cuidados em saúde mental estruture-
se a partir da Atenção Básica,  obedecendo ao modelo de redes de  cuidado de base territorial e buscando o estabelecimento de vínculos e acolhimento. Nestes municípios, pequenas equipes desaúde mental, que podem estar lotadas em ambulatórios (ou CAPS de municípios vizinhos), por exemplo, passam a dar apoio matricial às equipes de Atenção Básica. O  apoio matricial é um arranjo organizacional que viabiliza o suporte técnico em áreas específicas para as equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde. Nesse arranjo, a equipe de saúde
mental compartilha alguns casos com as equipes  de Atenção Básica. Esse compartilhamento se produz em forma de co-responsabilização pelos casos, que pode se efetivar através de discussões conjuntas de casos, intervenções conjuntas junto às famílias e comunidades ou em atendimentos conjuntos, e também na forma de supervisão e capacitação.

            A responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica do encaminhamento, pois visa aumentar a capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe local. No caso de municípios maiores, onde estão implantados CAPS ou outros equipamentos da rede de atenção à saúde mental, a lógica do apoio matricial é a mesma: a equipe do CAPS, juntamente com membros das equipes dos outros equipamentos, apóiam as diferentes  equipes de Atenção Básica através de ações de supervisão, atendimento conjunto  e específico e capacitação.

            Em todos os cenários, as equipes matriciais de saúde mental e da Atenção Básica compartilham os casos e constroem coletivamente as estratégias para a abordagem de problemas vinculados à violência, ao abuso de álcool e outras drogas, as estratégias para redução de danos, o fomento de ações para a diminuição da segregação pela loucura e combate ao estigma,  e o desenvolvimento de ações de mobilização dos recursos comunitários para a reabilitação psicossocial.Essas diretrizes, estabelecidas pela articulação entre as políticas de saúde mental e de atenção primária à saúde, visam ampliar e tornar mais eficazes as intervenções dos dois campos.

            As experiências das equipes matriciais de saúde mental estão, no entanto, ainda em construção. Assim, algumas experiências-piloto, sobretudo para a atenção em álcool e outras drogas e para o manejo da epilepsia na rede básica têm sido acompanhadas, para possibilitar uma melhor apreensão desta articulação e formulação de estratégias de implementação destas diretrizes em todos os municípios brasileiros. Neste momento, os indicadores de saúde mental já compõem o rol de indicadores das equipes de atenção básica e inicia-se o esforço fundamental de garantir o acesso da população, em especial nos pequenos municípios brasileiros, à atenção em saúde mental.

 

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental :  15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.